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O encontro com o Feminino Sagrado através das Danças Árabes.

Atualizado: 12 de jul. de 2018


Existiu um tempo em que o ser humano não diferenciava seus movimentos, seus gestos, o seu expressar e maneira de comunicar com o outro, consigo e com o Sagrado, como fazemos hoje com a arte, e com o ato de dançar. Ou seja, as danças ancestrais, como as de origens egípcias, relacionavam a arte com o Sagrado, o ato de dançar fazia parte dos seus ritos e rituais, do seu cotidiano. Para alguns povos, essa relação ainda permanece e dançar é livremente a forma de se expressarem e, até do que não se consegue explicar verbalmente.


Dançar é inerente ao ser humano, basta observar um bebê ou uma criança respondendo aos estímulos sensoriais que verá seu corpo dançar, sob a inocência, desprovido ainda de julgamentos morais sobre o que faz, se o faz e sobre que parte do seu corpo movimenta. Mesmo que soe estranho, para dançar não é necessário ter nascido com o “dom”, tampouco, é necessário estar com o peso “ideal” ou com a idade certa. Infelizmente, como veremos isso é resultado de uma construção social ocidental, uma consequência, do quanto você se privou de experiências com o seu corpo e de como você se relaciona consigo.


De origem imprecisa e de informações controversas sobre suas decorrentes manifestações, a cadência de movimentos peculiarmente atribuídos à dança, conhecida nos dias atuais no Ocidente e difundida erroneamente como Dança do Ventre, remonta ao período histórico da Antiguidade fortemente em conexão aos povos do Oriente Médio e Ásia Meridional. Acredita-se que, com a invasão Moura os movimentos oriundos de rituais de fertilidade, de celebrações e outros, foram incorporados às tradições dos respectivos povos e, posteriormente compactuando a seus costumes e culturas. Assim dialoga os movimentos de contração e expansão da musculatura pélvica, as ondulações de abdômen com o ritual de preparação da mulher para o parto natural de algumas tribos da Arábia Saudita, como relata Morroco (1964).


Ao chegar ao Ocidente essa dança é construída, inclusive o seu nome, de maneira reducionista ao caráter sedutor pela união dos seguintes contextos: a noção moral judaico-cristã sobre o juízo de corpo como sinônimo de pecado, mais a construção do conceito sobre civilização, criada pelo europeu, que se aporta no exagero do outro e na distorção do Oriente, como salienta Said (2007), aliado ao papel da mulher construído na sociedade patriarcal, como um objeto inanimado, vista como um animal confinado sendo preparada para o consumo do imaginário masculino, tanto propagado pelos filmes hollywoodianos, e pela publicidade. O que Jung nos revela ser o reflexo de uma anima (aspecto feminino) negativa projetada da psique, já que a mulher interior é construída através do relacionamento com a figura materna e acrescenta:


Os homens podem ser levados a alimentar estas fantasias no cinema, nos shows de strip-tease, ou nas revistas e livros pornográficos. É um aspecto primitivo e grosseiro da anima, mas que só se torna compulsivo quando o homem não cultiva suficientemente suas relações afetivas - quando a sua atitude para com a vida mantem-se infantil. (C.G.JUNG; O HOMEM E SEUS SIMBOLOS.1964).


Desta amálgama teremos um corpo feminino privado de movimento, refém de uma dicotomia que julga ser sagrado ou profano, recluso de sensações, portanto, sem autonomia de si, logo, propriedade de outro à mercê do gozo alheio. Pois toda aquela que se move, que tem reações corpóreas está associada ao juízo apregoado à carne, pecadora, selvagem, sedutora, e não à pureza da alma. Um ideal feminino castrador de mulheres civilizadas, santas e dedicadas ao outro.


Dessa maneira, mesmo que inconscientemente, muitas mulheres carregam marcas e cicatrizes sob a pele, que estão atreladas a construções como essas e que, influenciam suas escolhas e seus conceitos inclusive ao buscar as Danças Árabes por exemplo. E que, quando chegam às aulas, se surpreendem com a profundidade dos saberes arcaicos que se revelam à medida que se permitem dançar. Assim, as mudanças sutis começam a reverberar no campo físico, no das ideias e no energético, e dançar como único sentido para sedução do outro, se torna ínfimo, diante dos ganhos com a prática.


Ao longo dos anos, com o contato direto com mulheres através das aulas, tive a honra de aprender enquanto ensinava a elas, que a arte é uma das ferramentas desse caminho para o autoconhecimento e, posso compartilhar com a autorização delas, aonde a dança alcançou na vida delas:


Sempre apreciei as Danças Árabes. Era um sonho fazer aulas, mas sempre fui gordinha, tinha vergonha de expor meu corpo e me achava muito desengonçada. Participar das aulas, ter a chance de apresentar em um espetáculo, me ajudou a reconectar com o meu eu feminino, elevou minha autoestima, fiz as pazes com meu próprio corpo e de quebra, me reergui de um estado depressivo que estava me matando”. Cristina C. A. Vaz, 52, Professora.


“A maior conquista que obtive com as Danças Árabes foi resgatar o sagrado feminino dentro de mim. O respeito que tenho pela dança me fez encontrar com a minha feminilidade, romper meus limites, e com isso, proporcionar o que há de melhor em mim”. Andréa Gebrim, 39, Arquiteta.


“Cheguei às Danças Árabes por recomendações médicas, pois sofria com as cólicas menstruais e, também, pelo pânico que sentia quando um namorado tentava se aproximar de mim, devido a um trauma sexual sofrido aos 14 anos. A dança me ajudou a desbloquear meu corpo da agressão”. Mirian Albernaz, 43, Psicóloga.


Dançar é sensibilizar-se. É olhar para si, conhecer seus ritmos, entrar em contato com os fluidos, fluxos e ciclos. É reconectar com a nossa natureza humana, com a poderosa natureza feminina, que é capaz de parir, curar, que é criadora de vida, que tem prazeres, que renasce. Há um resgate de saberes intrínsecos relacionados, ao qual, movimentar o centro de energia do corpo propicia a liberação desses traumas femininos e (re)aproxima de suas memórias ancestrais, onde a mulher relembra desse lugar onde movimento é sinônimo de vida, que o corpo é sim, sagrado, e que é justamente desse devir criança, que se é capaz de ressignificar seus valores quanto ao seu corpo e seu feminino e ampliar a consciência de si, fazendo uso da sua energia vital para o autocuidado, para a conexão com a terra, e sobretudo, para o empoderamento da sua personalidade feminina.


Texto criado 2015 por Nancy Ribeiro

Foto de Miguel Serrão


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